A sinestesia do afeto – Por Priscila Monteiro Santos

A sinestesia do afeto
por Priscila Monteiro Santos (priscmonteiro.wordpress.com)

Ele olhava os olhos da garota em sua frente, mas não enxergava nada. Sentia o cheiro do seu perfume, mas não reconhecia o odor, ele, tocava em sua pele, e nada podia ser acionado para reconhecer a sensação; ela por sua vez, via na cor dos olhos dele o céu, sentia através do ruído da sua respiração o gosto do seu beijo, e como era quando ele a tocava, ela nem se quer precisava estar no mesmo ambiente que ele para percebe-lo, ela sentia uma espécie de calafrio e de alguma maneira sabia que ele tinha acabado de acordar, havia sido assim desde que eram crianças, ninguém precisava avisa-la quando ele adentrava um espaço, de alguma maneira ela o sentia chegando a quilômetros.

Ela sabia dizer sem olhar até para qual direção ele estava olhando. Alguns chamariam tal proeza de encontro de almas, mas ela descobrira recentemente, que era mais provável que fosse, uma estranha relação sinestésica que ela tinha desenvolvido em relação à pessoa dele. Mas sua percepção não andava das melhores, e por vezes ela não podia compreender, porque ele andava tão doido, remexendo em algo do seu amago, que nem mesmo ela conseguia encontrar para decifrar.

A cor dos olhos, a cor do céu, o gosto do azul da boca do cheiro, o gosto de tudo que tinha o gosto dele e gosto bom, era o gosto dele, e cores que tinham mais haver com sentimentos, sensações, de alegrias, tristeza, desdém, lembrança de segurança, felicidade, ou até alguns medos. Foi essa relação sinestésica, não desenvolvida, e impensada que ela estabeleceu durante toda a sua vida, com os sonhos e as ações. De alguma maneira, era sensível demais, sensível demais para encarar a realidade. Ou ao menos gostava de dizer isso a si mesma, já que, não sabia se era medo ou sensibilidade e talvez se convencesse de que a verdade é que era um pouco dos dois.

Verde tem cheiro de grama molhada de chuva, tem gosto de água bem fresca, azul é um nome, um homem, azul sempre foram os homens e o céu, estranhamente azul é sinônimo de beleza, uma beleza pura, como se só no azul houvesse beleza de verdade. Vermelho é uma mistura de sensações, sentimentos, emoções, vermelho não é apenas uma cor, é um manifesto, uma manifestação pessoal passional, vermelho é ação, uma reação rápida. Assim como por algum motivo café por muito tempo esteve relacionado ao sexo, mas quando enfim ela descobriu sexo, viu que café, não tinha absolutamente nada que ver com isso. Estava mais para… Amarelo é bondade, e uma extrema alegria. Cinza, de alguma maneira para ela é paz, e não tristeza. Preto é morte, é claro é socialmente chamado morte, mas é também sedução, assim como uma espécie de roxo açafrão. É outra coisa, como ouvir qualquer música lhe traz uma enxurrada de palavras à mente, e por isso talvez ela não seja completamente fã de música clássica, porque são espaços vazios demais sendo preenchidos pelo seu inconsciente, sem nenhum controle, sem que ela possa controlar isso.

Lembro agora de uma conversa com uns amigos, eu sem ver sou surda. E ele compreendeu o que ela quis dizer, e é verdade, quando tocam a música, se não há a imagem, não há também melodia para músicas sem letras.  Jazz é uma espécie de paz nesse emaranhado de sensações, jazz é possível. O jazz pode ser seguido apenas com os ouvidos, e os olhos fixos nos instrumentistas. De alguma maneira o jazz se compraz, e através dele é como se houvesse descanso para os sentidos. Mas só… e talvez o ato de desenhar, às vezes, quando o desenho é realmente digno, o que não é sempre, às vezes o desenho deixa que apenas ele exista e mais nada.

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