Era o ano do vestibular e Alessandro não fazia ideia para o quê iria prestar. Na sua escola estava tendo várias palestras sobre profissões. Eram convidados profissionais e estes explicavam sobre seus trabalhos nestas palestras, como era o dia-a-dia deles, etc… Hoje seria sobre Psicologia. Trouxeram um psicanalista, chamado Caio. Alessandro e seu amigo, Tomás, sentaram na frente. “Dr. Pinto, por favor, sinta-se à vontade, há muitos alunos interessadíssimos em psicologia este ano!” falou a diretora Lana Bucetti, uma quarentona que ainda estava em forma e fazia muitos alunos molharem a cueca quando estavam em sono profundo. “Obrigado, diretora.”, falou Caio, cordialmente. “Como percebo nas risadas de alguns, vocês já devem ter juntado meu nome com meu sobrenome e terem realizado que chamo Caio Pinto… Também acho engraçado. Meus pais juram que não tinham percebido deste trocadilho até quando começaram a me apresentar para seus amigos. Meus pais… Nem crianças são tão ingênuas quanto eles! Mais aqui estou e não, meu pinto ainda não caiu.”. Todos no anfiteatro caíram na gargalhada. Nem a diretora conseguiu conter a risada. O psicanalista não tinha medo de falar o que todos pensavam, e isso o fazia captar a atenção de todos ali. “Caio Pinto… Engraçado como essas duas palavras fazem surgir uma imagem no nosso cérebro, não? Um símbolo carregado de energia sexual. É tanta a tensão que descarregamos-a dando risada. Na psicanálise chamamos isto de chiste. Essa tensão acontece por causa de uma coisa chamada tabu. Em todas sociedades existem tabus e podemos reagir è eles com interesse, vergonha ou raiva. Sexo continua sendo um tabu. Por isso que quando estamos num espaço cheio de símbolos de ordem, disciplina, respeito à autoridade, e falamos de sexo, caímos na risada. É algo que está no nosso inconsciente, e quando trazemos à tona, ele é pego de surpresa, e rimos. Mas OK, deixa eu explicar pra vocês o que é o inconsciente. Sabe quando queremos estudar e não conseguimos? Tudo parece mais interessante que o tópico que queremos estudar, até uma formiga perdida na nossa mesa. Bem, se fossemos totalmente conscientes e donos de si, poderíamos fazer tudo que demandássemos de nós mesmos, não? Mas não é isso que acontece… Há outras forças atuando em nós… Forças que não conhecemos direito. Coisas ainda mais velhas que nossa consciência… Instintos animais. Um guia cego e mudo, mas sensível. Este é nosso inconsciente! Ele que é responsável pelos nossos sonhos e desejos… O ponto-cego da nossa consciência. Meu trabalho é justamente encontrar esse ponto-cego de outras pessoas e fazê-las entender quais são estes… É preciso ouvir muito, observar muito e deduzir em dobro! Vocês têm alguma dúvida? E por favor, não perguntem quando meu pinto vai cair, porque eu também não sei.”. Esse tipo humor fazia os adolescentes rirem como doidos e Caio sabia disso. Alessandro gargalhava e se sentia muito interessado naquela profissão. Seu amigo, Tomás, estava também, porém suava frio, com medo de dedurarem seu sobrenome para o psicanalista. Não demorou muito para que o fizessem. “Caio, você não é o único que tem um nome engraçado, há um aluno do terceiro ano, Tomás, que também possui um. Você pode falar pra gente, Tomás?” disse a professora de matemática. Tomás ficou vermelho, tanto de vergonha como de raiva. “Puta que pariu, hein, professora!” falou Tomás, enquanto todos riam. Alessandro cutucou seu amigo e o encorajou “vai ser divertido, Tomás, precisa ter vergonha não…”. Tomás riu um pouco e falou “Ah… Meu nome é Tomás Turbando. Meus pais também são ingênuos. Af… A psicanálise explica a burrice na escolha de nomes, senhor?”. Caio deu risada, mas não exageradamente. “Faríamos uma bela dupla sertaneja, hein, Tomás?!” falou, e depois continuou “Sim, a psicanálise explica o porquê podemos ser tão ingênuos. Às vezes o tabu exerce tanto poder sobre nós que começamos a criar barreiras para não lidar com eles. Começamos a suprimir pensamentos sobre tais tópicos e a reprimir. Suprimir é um ato forçado, voluntário, consciente. Repressão já não, é algo completamente inconsciente. Mas acontece. Creio que nossos pais reprimiram tanto pensamentos de sexo, talvez devido o tempo que cresceram, cheio de puritanismo, que aí nem perceberam o destino trágico-cômico que colocaram sobre nós…”. Todos prestavam atenção em completo silêncio, com os olhos arregalados e com os corpos curvados para frente. A professora de matemática invejava Caio. Pensou “então é só eu falar sobre sexo que resolve tudo?”. Caio, quase que magicamente, começou a falar sobre este tópico em seguida. “Parece fácil captarmos a atenção das pessoas, não? Só falarmos de sexo e pronto. Porém nada é fácil nessa vida. Até o sexo pode ficar redundante e chato. Sempre temos que prestar atenção nos detalhes, no contexto em que estamos. Temos que ouvir — realmente ouvir — as outras pessoas e a nós mesmos. ‘O que que eu quero?’, ‘Porque eu quero tal coisa?’… Às vezes o porquê demora anos para responder, ou às vezes nunca saberemos de fato, mas sempre é bom tentarmos desvendar nós mesmos. Eu, por exemplo, acho que virei psicanalista por causa do meu nome. Bem, essa história fica pra próxima! Quero separar esta última parte para perguntas. Alguém?”.
Alessandro levantou a mão, estava animado, sabia que queria ser que nem Caio, e sabia que tinha que chamar sua atenção, era imperativo para seu ego que causasse uma boa impressão na frente daquele psicanalista… Formulou umas ideias em sua cabeça e perguntou: “Gostei muito dessa profissão! Pensando aqui, surgiu uma dúvida… Qual o objetivo do psicanalista? Decifrar símbolos? Pra quê? Ainda não entendi”. Caio sorriu para Alessandro, era a pergunta que estava esperando. “Muito boa a pergunta… Foi o que não expliquei aqui e é crucial para vocês entenderem o que eu realmente faço. Ouçam bem! Eu procuro aliviar a angústia das pessoas. Pelo menos fazer com que elas entendam a origem dessa angústia… A angústia sempre estará presente, porém ela ganha outro valor quando entendida. Fica mais suportável, parece. Também há outro motivo. As pessoas, se compreendendo melhor, conseguem tomar melhores ações. Ficam mais donas de si. Porém, há casos, como de transtorno obsessivo-compulsivo, paranoia, histeria, que o objetivo também é reduzir ou extinguir os sintomas. Muitas das vezes os sintomas podem se originar de um trauma, então temos sempre que cavar mais fundo, pois nem sempre lembramos de nossos traumas. No final das contas, é um trabalho que nunca tem realmente fim, pois o inconsciente nunca é totalmente decifrado, e ele vai se transformando também.”. Antes de finalizar, Caio explicou que se baseava na psicanálise de Freud, mas que haviam muitas variações da psicanálise original, como a de Lacan, de Jung, entre outros. Não se preocupou em explicar a diferença entre elas e foi embora, pois seu tempo já tinha dado e era hora do intervalo dos alunos.
Alessandro e Tomás se encontravam na fila da cantina e viam tudo com outros olhos. “Caralho, Ale, tudo é muito loco! A gente não é dono nem da nossa mente!” disse Tomás, entusiasmado. “Sim, mano! Somos marionetes do inconsciente. Pelo menos agora temos consciência disso, né?” respondeu. Ainda pensativo, complementou “será que a gente saber disso faz alguma diferença?”. Tomás levantou os ombros. Não sabia. Não tinha como eles saberem da resposta. Tudo que podiam fazer naquele momento era avançar na fila. Enquanto papeavam, duas meninas foram falar com eles — eram do terceirão também. “Oi meninos, vocês podem deixar a gente furar a fila? Por favorzinho” disse a mais gostosa. Os dois balançaram a cabeça concordando (só faltava eles babarem). Uma delas ficava virando para trás, olhando para eles, e comentando coisas para a amiga. Os dois fingiam que nada estava acontecendo, pois estavam tímidos. Alessandro, então, tendo um insight, falou para Tomás “olha como elas controlam nosso inconsciente! Elas falam com nossos pontos cegos, não com a gente de verdade. Elas sabem disso! É tudo o poder feminino!”. Tomás ouviu o som de ficha caindo com toda a sua força em algum compartimento de seu cérebro. Quis tomar ação… Não deixaria manipulá-lo assim, já bastava suas forças desconhecidas interiores. Colocou as mãos nos ombros das duas e falou “ei, meninas, vocês são muito folgadas, vocês sabiam disso?!”. O jogo havia se invertido, agora eram as meninas que estavam com vergonha. Interessadas também! “A gente faz o que pode, né, quirido” respondeu uma delas. Tomás sorriu, e continuou, confiante, “a gente deu a fila pra vocês, mas agora vocês irão comprar dois enrolados de salsicha pra gente, beleza?” e passou o dinheiro para elas. As meninas não acreditavam. Nem Alessandro. Os dois saíram e foram conversar no pátio. “Véi, o que foi isso?! Do nada virou o macho alfa?” indagou Alessandro. “Que nada, Ale, foi o que você me falou. Vi que elas tavam brincando com nosso inconsciente. Não podia deixar isso acontecer. Já basta meu nome brincar com meu destino.” respondeu Tomás. Ele se sentia no controle, pela primeira vez em sua vida. Alessandro tentou entrar na vibe do amigo. Mas não estava dando muito certo, havia de acontecer alguma epifania com ele também. As duas logo apareceram com os enrolados de salsicha. “Tomem, dois enrolados pra dois enrolados! hehehe” falou uma delas de maneira brincalhona. Continuando no ritmo, a outra as introduziu propriamente “Ela é a Jéssica e eu sou a Mari.”. Tomás mordeu a salsicha e falou “Sou Tomás. Tomás Turbando”. Alessandro falou em seguida “é verdade, esse é o nome dele, e eu sou o Ale. Ale-gria.”. As meninas, que estavam rindo com o nome de Tomás, pararam quando ouviram o Alessandro. Ele não fazia ideia de como fazer garotas rirem. Deram tchau apenas para o Tomás e foram embora.
Além de se sentir humilhado, ainda parecia que não seria aquele dia que Alessandro teria sua epifania… Mas tinha absoluta certeza que a partir dali iria investigar mais e mais sobre o ser humano. Ele se indagava se as meninas possuíam instintos diferentes dos meninos… Se o inconsciente delas era diferente do deles… Isso explicaria melhor seu fracasso com elas. Desejava profundamente saber lidar com qualquer situação e aposentar seu papel de bobo. O papel de bobo existia porque ele carecia de poder sobre a realidade e à respeito dela pouquíssimo sabia. Até seu amigo com o nome escroto tinha mais controle sobre sua vida! Ficava cada vez mais óbvio para ele que ele tinha pouca consciência sobre ele mesmo e o mundo. Talvez era essa sua epifania… Ali, enquanto mordia a salsicha, não se sentia castrado (como diriam os psicanalistas), mas cheio de potência, apesar da angústia formigante no peito. Agora ele reconhecia sua ignorância e cegueira e não via a hora de reencontrar seus olhos que estavam esquecidos no chão desde do momento que havia nascido. Tinha consciência que a partir daquele momento ele teria que levar a sério o que o interessava e, então, pesquisar, estudar à respeito. Todos esses pensamentos passaram em um flash para Alessandro e, sorrindo, ele virou para Tomás e disse “mano, fui otário e agora tô angustiado pelas minas terem me achado um simp!”. Tomás mastigava rápido para engolir o pedaço de salsicha e consolar seu amigo com alguma palavra de simpatia barata, contudo Alessandro ainda não tinha terminado sua fala, e concluiu seu pensamento de maneira que Tomás não esperava: “…mas, mano, se não fosse pela angústia, a gente não sairia do lugar”. Aquilo entrou em consonância com Tomás. Ele estava orgulhoso pelo amigo que tinha. Enquanto sorria, ele teve uma ideia para um piada: jogou metade do enrolado de salsicha no chão e apontou para aquele objeto fálico. “É, Ale, se hoje as fichas caem, é porque mais cedo caiu o pinto”.
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