Ô, BINA! *

Por: Francisco Filardi
– Editor dos fanzines Intervalo, O antissocial e BLEH!
intervalocultural.blogspot.com.br

O novato chegara à empresa havia uns oito meses, contratado para os chamados serviços gerais. Andava pela casa dos trinta; franzino, de boa aparência, articulado, comunicativo. Tinha em si algo de singular e, a um tempo, extraordinário pois, desde o primeiro contato, não foi difícil perceber que aquele sujeito de sorriso fácil e acento divertido não tardaria a conquistar a simpatia dos colegas.
Contudo, apesar da impressão inicial favorável sobre o recém-chegado, merece nota um fato curioso o qual veio à tona quando da sua apresentação ao Diamantino, chefe sênior da contabilidade, que introduziu a conversa:

  • A partir de hoje, você prestará serviços neste departamento e, havendo qualquer questão, dirigir-se-á a mim ou ao subchefe Roberval, compreendeu? O ambiente é agradável, todos aqui se respeitam e, pelo que percebo, você não terá dificuldade para entrosar-se.
    A propósito, os funcionários da casa se reconhecem por apelidos – não pejorativos, que fique claro – o que os acaba tornando populares, inclusive em outros departamentos, como verá. O detalhe é que se você não optar por um tratamento
    carinhoso de imediato, os colegas tomarão a liberdade de fazê-lo.
    Dito isto, Teodoro… faz ideia de como deseja ficar conhecido na empresa?
    A resposta veio curta:
  • Bina.
  • Bina?! – estranhou o chefe.
  • Sim, senhor.
  • Alguma razão?
  • É coisa de família…
    Coisa de família! E Diamantino pensava que bina era tão somente um aparelho identificador de chamadas telefônicas! De forma prudente, apesar da sua curiosidade, o chefe não insistiu no assunto e a conversa seguiu; entretanto, ele não seria o único ali a interessar-se pela inusitada alcunha do novato; a poucos passos da mesa do Diamantino estava o Maciel, arquivista por formação (e xereta nas horas vagas), conhecido como Tartaruga. Debruçado num gaveteiro de aço, o já sexagenário procrastinava de forma intencional o seu dever de ofício, revirando uma pasta aqui, um documento ali, só para manter as orelhas
    na conversa.

Antes, porém, de avançarmos o relato e darmos conta do fato curioso a que nos referimos, abrimos
parêntese para destacar que o chefe Diamantino não era dado a burburinhos, fofocas, discussões
inflamadas ou mesmo aglomerações no ambiente profissional. Era um sujeito direto, objetivo, do tipo é isto ou não é, sem margem para interpretações, o que era bom para o trabalho. Mas foi justo em meio a uma acalorada reunião de fechamento de balanço, que ele, assediado por seus pares, pôs a cabeça para fora da sala, como a buscar oxigênio, e apelou ao recém-contratado, alguns tons acima:

  • Ô, Bina, venha cá, faça-me o favor!
    A cena não passou em branco e o que despertou a atenção dos colegas do departamento nem foi o destempero ocasional do chefe, mas o vocativo. Foi a partir daí que a turma da gozação passou a chamar o novato de Obina, em referência ao ex-atacante com passagens por Flamengo, Palmeiras, Bahia e Atlético Mineiro, entre outras equipes de futebol.
    A brincadeira, é claro, pegou e não parou aí: pouco depois de o Bina ser aprovado no período de experiência, ganhou dos colegas uma camisa oficial do Clube de Regatas do Flamengo, com o seu apelido e o número 18 (do xará) às costas. Foi uma espécie de rito de passagem e o simbólico mimo tornou-lhe oficial o ingresso no clube (da contabilidade, não do
    Flamengo). Bina, por sua vez, não disfarçou o contentamento, uma vez que recebera a camisa de um dos mais bem sucedidos clubes de futebol profissional do país e, ainda, porque o ex-jogador em questão era nordestino, como ele.
    Naquela mesma semana, porém, a inquietação do Maciel Tartaruga subiu às tampas e ele resolveu tirar a história a limpo: subiu ao Departamento de Gestão de Pessoas da empresa, e lá recebeu a informação de que Teodoro Severino de Castro Paiva era o nome de batismo do Bina.
    A princípio, não observando correspondência entre o nome e o apelido do novato, o arquivista buscou na internet, no Arquivo Nacional, em bibliotecas públicas e em antigas edições digitalizadas de jornais de grande circulação no país o que lhe aplacasse a curiosidade; até descobrir que Bina era apenas uma das metades da alcunha do
    pesquisado (a outra, era Cara). A denominação Carabina, conforme apurado, tratava-se de herança familial, pois Teodoro descendia dos Castro Paiva, temíveis jagunços da região de Umbuzeiro, no interior da Paraíba.
    A fama dos Carabineiros, como a família era conhecida pelos populares, atravessava
    gerações pela forma como seus integrantes assassinavam os inimigos, fazendo uso das armas de fogo das quais o clã tomou emprestado o nome.
    A descoberta do Maciel fora tão perturbadora que, ao saber da história, o Diamantino viu-se obrigado a arriscar um lero pelas bordas com o subordinado:
  • Ô, Bina… no próximo final de semana, os rapazes aqui estão planejando participar de uma competição de tiro num sítio em Guapimirim. Você, por acaso… sabe atirar?
    O rosto do novato se iluminou:
  • Ôxe, se sei! A família toda, até os menorzinhos que ficaram na Paraíba!
    Depois dessa, Diamantino passou a tratar o Bina com uma distinção tal que faria ruborizar até o presidente da empresa…

4 comentários Adicione o seu

  1. Agradeço o espaço, bem como a gentileza e a oportunidade de colaborar com essa prestigiosa publicação. Abraço a todos!

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  2. Anita disse:

    Texto delicioso do Filardi.
    Vai aguçando nossa curiosidade , criando um clima de expectativa.
    E este site é muito bom.
    Diverso e reflexivo.

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  3. Cesar Felipe disse:

    Exclente texto! Contagiante! Parabéns ao autor.

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  4. Jorge Luiz Fernandes disse:

    Otimo texto. Gostei muito.

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