#19 – cavalo de troia também foi presente by Pedro Rabello

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(imagem gerada por inteligência artificial no dream.ai)

eu não fazia ideia do que era denorex até pesquisar no google (gerações inteira provavelmente ainda não sabem). mas, desde criança, sei que ele não é o que parece, porque era referenciado desta forma pelos adultos. na verdade, é tudo culpa da publicidade (como sempre). nos anos 80, o comercial de tv explicava que denorex tinha nome de remédio, mas era tão somente um xampu anticaspa. meus sinceros parabéns aos publicitários capazes de colocar um produto sem carisma no imaginário coletivo.

lembrei-me disso por causa da edição anedota infantil da newsletterem que Paula Maria conta ter pedido um cd dos mamonas assassinas e ganhado um da madonna. não, não foi um erro: mamonas e madonna são palavras do mesmo tamanho, têm a mesma quantidade de sílabas e muitas letras em comum, mas a mãe dela não confundiu o irreverente grupo brasileiro com a rainha do pop. foi de propósito (vai lá no texto dela entender o contexto), um cavalo de troia, que – como a história nos ensina – também foi um presente.

perdoe-me o cheiro de naftalina, mas esta edição traz antigas lembranças que eu (e talvez você) tenho guardadas no baú da memória.

bens materiais

1.
lá nos idos de 1995, também pedi de presente o tal cd dos mamonas assassinas (eu e a torcida do flamengo). e ganhei. fui o feliz proprietário daquele disquinho metálico cuja capa até trazia uma foto dos cinco integrantes do grupo, mas destacava o desenho de uma mulher desnuda em que só se via duas grandes tetas (imagino dinho descrevendo a imagem assim). as letras eram ainda menos infantis, mas o sucesso entre as crianças era absoluto. o grupo peregrinava por todos os programas de tv e a gente ia zapeando atrás, ouvindo de novo e de novo e de novo as histórias da brasília amarela, da maria monoteta e do jumento celestino. quando o trágico acidente de avião interrompeu a trajetória meteórica da banda e impôs mais um luto coletivo ao país, fiquei tão arrasado que dei o cd para uma amiga. obviamente, eu me arrependi depois (e minha mãe ficou bem brava), mas não se pede de volta um presente dado.

2.
outra febre dos anos 90 foi a coleção de bonecos dos power rangers que viravam a cabeça (literal, e não metaforicamente). funcionava assim: você apertava o botão no cinto, liberava o compartimento no peito e o personagem morfava. pura tecnologia! dos sete, eu já tinha seis. como meu aniversário estava chegando, pedi o azul que faltava ao meu padrinho. esperei ansiosamente pelo momento de abrir os presentes. a frustração foi tão grande que transbordou meu corpo de criança: eu berrava (e só porque meus pais não me deixavam xingar) de ódio que não era o que eu tinha pedido. eu queria o que virava a cabeça, e não aquele boneco gigante articulado. muito drama por nada. Depois, meus pais me deram o outro.

3.
não tive a mesma sorte, porém, com a coleção dos cavaleiros do zodíaco. na verdade, nem posso chamar de coleção, porque só tive um (estavam tão a léguas do meu poder aquisitivo que não sei dizer nem quantos eram). além de encaixar no corpo do boneco, a armadura formava uma figura independente, condizente com o personagem. o meu, por exemplo, virava um escorpião. tudo tão lindo, precioso e caro que eu evitava até brincar com ele.

4.
tive uma festa do hércules. se não me falha a memória (mentira, eu procurei no google), foi no longínquo ano de 1997, quando o filme da disney chegou aos cinemas. a decoração foi caprichada: painéis de isopor nas paredes, arcos de balões coloridos, forminhas de docinho temáticas… mas o suprassumo eram os bonecos (olha eles aí de novo!) enfeitando a mesa. estavam todos lá, dos mocinhos aos vilões, do pégaso aos gárgulas. coisa linda! só que eu não curti muito o meu aniversário, porque estava mais preocupado com o risco de um larápio qualquer aproveitar um momento de distração para surrupiar algum personagem (bons tempos em que se roubava apenas brigadeiros). eu e meus pais passamos a festa inteira de tocaia e – tão logo o parabéns foi cantado – recolhemos tudo. ufa! hércules e sua turma estavam sãos e salvos.

5.
além de bonecos, eu gostava muito de carrinhos. passava horas montando pistas com peças de encaixar, formava engarrafamentos pela casa (o brasileiro, mesmo criança, precisa ser estudado) e – assim como deus – eu também tinha os meus preferidos: dois carrinhos de plástico bem vagabundo que vieram em saquinhos de cosme e damião, um chevette marrom e um fusca azul. mas o que mais se destacava era o trombada. não sei quem teve a ideia estapafúrdia de criar um brinquedo para simular um acidente de trânsito (a frente amassava e desamassava), mas fez sucesso.


presente de grego

6.
um dos momentos mais aguardados do ano era o pós-festa de aniversário, a manhã do dia seguinte dedicada a comer bolo e docinhos gelados e a abrir os presentes. eu separava em duas categorias essenciais: os brinquedos e o resto. tinha ódio de ganhar roupa (ficava com raiva na festa mesmo se percebesse o que o papel de presente pretendia esconder e nem tentava disfarçar o constrangimento causado). eu me concentrava no que importava e deixava para minha mãe a tarefa de abrir os pacotes rejeitados. o ódio era tão genuíno que estabeleci uma regra para a vida: só dou brinquedo de presente para crianças. roupa é obrigação dos pais.

7.
um clássico das festas infantis da família da minha mãe era uma prima dela que sempre vinha de mãos abanando e dizia para o aniversariante da vez: “titia esqueceu o presente, mas manda depois”. em todos os anos, para todas as crianças, o depois nunca chegou.

8.
bicho de estimação não é presente, mas muita criança pede. não saberia dizer quantas vezes insisti para ter um cachorro. apelava para o sentimental: seria uma companhia e tanto para um filho único como eu. certa vez, bateu na trave, mas minha mãe resistiu (todo o trabalho de cuidar ia sobrar para ela). em vez de um cd dos mamonas que latia, ganhei um da madonna que nadava. tudo tristemente azul como o betta que só fazia boiar de tédio naquele aquário minúsculo.

se você gostou desta newsletter, que tal dizer isso ao mundo?

1 comentário Adicione o seu

  1. Maria de Fatima Morais Costa disse:

    Muito boas essas lembranças, Pedro. 😊🌷

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