notas viajantes by Pedro rabello

sobre curtir as férias, percorrer avenidas, beber caipirinhas e descalçar os sapatos

atenção, senhores passageiros

um dos maiores hobbies que tenho na vida é viajar. gosto de todas as etapas, do planejamento à volta para casa (da parte de pagar, nem tanto, mas só vai quem paga). sou daqueles que mal terminam uma viagem e já começam a pensar na seguinte. na verdade, penso em vários destinos ao mesmo tempo, porque sempre considero a melhor época para visitar cada lugar (se você não faz isso, recomendo, porque a diferença é gritante; já fui a barcelona no inverno e a cidade parecia hibernar).

em 2024, decidi tirar dez dias de férias em junho, emendando com corpus christi (juntar com feriadão é uma ótima maneira de alongar o período de descanso). como roteiro, optei por são paulo durante o feriadão (a cidade fica mais vazia, o que é ótimo) e, depois, pelo ceará (junho é o fim do período chuvoso, então já dá para ir sem sofrer com a previsão do tempo).

durante os catorze dias da viagem, anotei no celular ideias avulsas sobre o itinerário. são essas notas viajantes que você lê nesta edição da newsletter, escrita ainda acima das nuvens, em algum lugar entre fortaleza e o rio de janeiro.

do frio de são paulo

1. uma mala esquizofrênica
ficou na promessa a redução dos preços das passagens aéreas quando passaram a cobrar para despachar as malas. desde então, paga-se (e não é pouco) pelo embarque e pelo despacho. opto sempre pela mala de mão (ainda gratuita, sabe-se lá até quando). dez quilos costumam ser suficientes; deixo até uma folga para eventuais excessos nas compras. mas como montar uma mala para os vinte graus de são paulo e os mais de trinta do ceará? o jeito foi destinar um lado para cada destino, puro suco de brasil polarizado.

2. existe amor
a viagem serviu para me perdoar de um pecado grave: não conhecer são paulo. o motivo? nem eu mesmo sei, dado que nunca me nutri da rivalidade histórica entre paulistanos e cariocas, não tenho preconceito quanto ao sotaque, tampouco acho graça da piada de que praia de paulista é o tietê. desconfio que a culpa seja – veja só – da proximidade. sempre me pareceu tão fácil chegar a são paulo (apenas uma ponte aérea) que o encontro foi adiado sucessivas vezes em prol de destinos mais distantes. até que chegou a hora! apesar do friozinho (lembre-se que o inverno glacial do leblon é de vinte e cinco graus), foi um encontro maravilhoso. se não existe amor em sp, certamente há amor por sp. já amo.

3. dias de avenida
dois dos quatro dias que passei em são paulo foram dedicados a um clichê incontornável: a avenida paulista (e nem assim deu para explorar todas as possibilidades). devo ter ido de uma ponta a outra pelo menos duas vezes, parando nos inúmeros museus ao longo do caminho. o masp não deve nada aos pares europeus, mas o itaú cultural e o instituto moreira salles (a sede do rio é meu xodó e não vejo a hora de acabar a reforma por lá) ganharam meu coração. há ainda uma pequena joia, descoberta ao acaso: a casa das rosas; o charmoso casarão do início do século vinte tem espaço de exposição e ainda conta a história da avenida onde está situado. se puder, ignore o trânsito caótico e curta a paulista a pé.

4. respirando cultura
são paulo é imbatível no quesito cultura. o mais difícil do planejamento da viagem foi definir que lugares visitar e quais deixar para uma oportunidade futura. e o melhor é que muitas opções são gratuitas (passo importantíssimo na democratização do acesso). além das que já mencionei na nota anterior, preciso citar o museu do ipiranga – recentemente reformado e com passeio guiado incrível – e o museu da língua portuguesa – um deleite para quem escreve ou ama o português.

5. comer comer
esta é uma nota de transição; serve tanto a são paulo quanto ao ceará. na verdade, vale para o país inteiro. come-se muito bem no brasil. comida boa, farta, afetiva, ancestral, regional, de rua, alta e baixa gastronomia… procurando bem, dá para encontrar de tudo. são paulo foi um paraíso de bons restaurantes (e o maior defeito de helena rizzo é ainda não ter aberto uma filial do maní no rio), de cafeterias charmosas e de docinhos fortuitos (de férias, a gente pode se permitir esse carinho). o ceará trouxe porções generosas, muita tapioca, cuscuz, castanha caramelizada, peixes, carne de sol, sorvetes… e – claro – caipirinhas!

ao calor do ceará

6. pé na areia
o casaco foi parar na mochila já no desembarque em jericoacoara. que calorzinho gostoso! e que clima inexplicavelmente mágico tem essa charmosa vila de pescadores: as ruas de areia, os pequenos comércios, a simpatia de quem vive ou trabalha por lá. vive-se em um ritmo diferente, bem mais calmo e acolhedor. prova de que a vida simples é boa; a gente precisa de muito pouco para estar bem e ser feliz.

7. amizade-cápsula
cada encontro em jeri (a gente fica íntimo da cidade e logo vai chamando pelo apelido) é uma celebração, mesmo os mais fortuitos. do garçom ao guia de turismo, do barraqueiro aos colegas de passeio, todo mundo parece imbuído da missão de transformar cada experiência em um momento extraordinário. as conversas fluem naturalmente, como se ocorressem entre velhos conhecidos. criam-se amizades-cápsula, uma conexão genuína e profunda entre estranhos que talvez nunca voltem a se ver.

8. rir é o melhor remédio
estar de férias favorece o bom humor, mas este fato isolado não é suficiente para explicar o ceará. o vento de fortaleza carreia algo além da brisa do mar, um riso farto. em nenhum outro lugar do brasil (e conheço um bocado de cidades por aí) encontrei pessoas tão capazes de rir de si mesmas e de fazer graça da própria vida quanto os cearenses. não é por acaso que nossos melhores humoristas tenham nascido no estado. a famosa vaia cearense e as gírias locais despertam muitos sorrisos (desafio você a manter a seriedade quando alguém soltar um “mulher” ou um “macho”). e que sotaque gostoso!

9. aos pés da liberdade
todas as cidades de praia se parecem
. arrisco dizer que a explicação para esta máxima não está na cabeça ou no coração, mas nos pés. a vida é mais simples e aprazível com a liberdade de calçar apenas chinelos, quando os dedos podem respirar longe da clausura imposta por meias e sapatos.

se você gostou desta newsletter, que tal dizer isso ao mundo?

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